Ver o lado bom (mesmo quando é difícil) | k2s71

O Brasil virou uma guerra de tinta. Vermelho de um lado, verde e amarelo do outro. Nas redes, nos protestos, nas urnas, o país se expressa em cores fortes, gritos rasgados, símbolos vibrantes. Gente com a cara pintada, peito inflado e dedos em riste — defendendo líderes como se fossem divindades.
Enquanto isso, nas zonas neutras do poder, ninguém pinta nada no rosto, e quem realmente comanda o jogo não se mistura com o calor das paixões populares. Não é movido por causa, nem por clamor, nem por ideologia. Esse grupo que, de fato, comanda o Brasil, não está nem aí pro vermelho, pro verde e amarelo: ele veste cinza.
O interessante é que esse grupo, agora, ousou num movimento que lhe rendeu um nome fantasia e personalidade jurídica: União Progressista, a nova federação partidária que une o União Brasil e o Progressistas. Um movimento que, na prática, cristaliza o que já acontece nos bastidores há décadas — o comando pragmático do Brasil por um centro político que não se compromete com causas, mas com cargos.
Pode-se dizer que o Centrão é o "partido" que mais entende o Brasil — ou pelo menos, o que melhor entende como se governa o Brasil real: pela negociação, pelo balcão, pelo jogo de forças, não pela narrativa de palanque.
Lula e Bolsonaro que o digam. Todos, em algum momento, se curvaram à força do cinza.
Porque o cinza não se impõe com discurso. Se impõe com maioria. E é assim que, no fim das contas, o jogo funciona.
O cinza não entra em guerra cultural. O cinza não tem slogan. O cinza não lacra, não cancela e não viraliza. O cinza governa. Ponto.
E governa sorrindo discretamente, de terno sóbrio, entre gabinetes refrigerados, cafés mornos e agendas recheadas de siglas, códigos orçamentários e articulações regimentais. Tudo na surdina. Tudo funcional.
Enquanto você discute se a esquerda vai implantar o comunismo ou se a direita quer instaurar uma teocracia militarizada, o cinza istra os bilhões do orçamento sem se candidatar à ser sua esperança.
A cada eleição, você acredita estar decidindo o futuro do país com base em valores, planos e ideais. Mas, no fundo, o que você escolhe é a nova vitrine de uma loja que continuará vendendo os mesmos produtos de sempre: sobrevivência, fisiologismo e jogo de influência. E quem embala o pacote? Sempre ele: o cinza.
Você pinta o rosto com paixão. Eles escrevem as regras com precisão.
O eleitor ama a ideia de mudança, mas elege sempre os mesmos operadores disfarçados de “aliados de ocasião”. O eleitor quer projeto, mas aceita pragmatismo. Exige ética, mas entrega poder a quem promete governabilidade. O resultado é esse: uma democracia com ilusão de escolha e controle fixo.
O cinza não tem cor, ele tem memória. Ele lembra quem o traiu. Ele cobra fidelidade. E recompensa quem o alimenta com cargos, silêncio ou votos.
E sabe como esse cinza se mantem no poder? Com seu voto, quando ao invés de fazer uma análise real sobre o preparo dos candidatos para escolher, você entrega seu voto para aquele deputado que mandou uma emenda pra ajudar alguma coisa que beneficiou você. Entendeu? O jogo do poder não está nas cores dos protestos. Está nos bastidores onde a tinta é transparente, mas o traço é permanente.
A pergunta é: por quanto tempo mais o país vai se entreter com as cores, enquanto ignora quem desenha o contorno do quadro inteiro?
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